Minhas previsões estão se confirmando desde 2018 e o Legal Design continua crescendo e aumentando o seu impacto, no Brasil e no Mundo.
No Poder Judiciário, diversos magistrados já se conscientizaram dessa necessidade de tornar o direito mais humano e são louváveis as iniciativas como a do Dr. Marco Bruno Miranda Clementino, na 6ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, da Dra. Karla Yacy Carlos da Silva, no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, da Dra. Aline Vieira Tomás, na 2ª Vara de Família de Anápolis, ou da Dra. Laryssa Angélica Copack Muniz, da 1ª Vara Criminal de Ponta Grossa.
Porém, a iniciativa mais recente é legislativa e visa tornar em obrigação essa mentalidade.
O Projeto de Lei nº. 3326/2021, de autoria do Deputado Federal Paulo Bengtson, do PTB do Pará, que propõe mudar o artigo 489 do Código de Processo Civil para tornar as sentenças judiciais mais compreensíveis aos leigos.
Muitos celebraram a iniciativa dizendo que seria “a aplicação do Legal Design às sentenças”.
Porém, será que é isso mesmo? Vamos analisar.
O que diz o texto do Projeto de Lei?
Atualmente, o artigo 489 do Código de Processo Civil tem a seguinte redação:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.
Podemos observar que essa redação original tem duas preocupações principais, a forma (nos elementos essenciais) e a fundamentação da decisão. Nada é dito sobre o estilo de redação.
O PL 3326/2021 busca cobrir exatamente essa lacuna e propõe alterar a redação do artigo 489 para incluir três novos parágrafos tratando sobre o estilo de redação das sentenças:
§ 4º A reprodução do dispositivo da sentença em linguagem coloquial, sem a utilização de termos exclusivos da Linguagem técnico-jurídica e acrescida das considerações que a autoridade Judicial entender necessárias, de modo que a prestação jurisdicional possa ser plenamente compreendida por qualquer pessoa do povo.
§ 5º A utilização de expressões ou textos em língua estrangeira deve ser sempre acompanhada da respectiva tradução em língua portuguesa, dispensada apenas quando se trate de texto ou expressão já integrados à técnica jurídica.
§ 6º O disposto no inciso § 4º deste artigo aplica-se exclusivamente aos processos com participação de pessoa física, quando esta seja diretamente interessada na decisão Judicial.
A redação é simples e autoexplicativa, não ficando dúvidas sobre o propósito de determinar o uso de linguagem coloquial, a vedação do uso de jargões técnicos e expressões estrangeiras, quando o processo tenha participação de pessoa física diretamente interessada na decisão.
Porém, isso é “Legal Design”? Vamos ver.
Primeiro: o Legal Design vem do Design Thinking
A primeira premissa que deve ser analisada aqui é a origem do Legal Design.
O Legal Design nasceu na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, após uma adaptação da abordagem do Design Thinking ensinada na d.School (escola de design de Stanford), por uma aluna chamada Margaret Hagan.
O Design Thinking é uma abordagem de solução de problemas complexos que utiliza a empatia e coloca o usuário no centro do processo para identificar a saída mais satisfatória para o desafio enfrentado.
No caso da alteração proposta pelo PL 3326/2021, não há previsão da aplicação de princípios básicos da abordagem, como a prototipação e a realização de testes com os usuários.
Portanto, a primeira conclusão é de que não se trata da aplicação do Legal Design nas sentenças judiciais, mas apenas uma orientação relacionada ao estilo de redação que os juízes deverão adotar, permanecendo o inalterado o processo de confecção das sentenças.
Segundo: A Linguagem Simples também possui técnicas
A segunda premissa que deve ser analisada é então a aplicação da Linguagem Simples, ou Plain Language, como ficou conhecida em inglês.
A Linguagem Simples também nasceu no exterior, na Universidade de Oxford, e sua aplicação não se resume apenas a utilizar palavras conhecidas pelo leitor e evitar jargões técnicos ou estrangeirismos, mas muitas outras técnicas.
Com bem ensina a professora Heloísa Fischer, aplicar a Linguagem Simples à redação de um texto é um processo que se inicia com a análise empática do destinatário da mensagem e passa por diversos aspectos do texto, não só a escolha das palavras.
O tamanho e a forma de escrever as frases, o tamanho e a forma de escrever os parágrafos, a ordem em que as informações são apresentadas. Tudo isso e muito mais compõem a técnica da Linguagem Simples.
Portanto, a segunda conclusão é de que não se trata da aplicação da Linguagem Simples nas sentenças judiciais, mas apenas a aplicação de uma de suas diretrizes que é chamada de “Palavra Conhecida”.
Conclusão
Não se trata de um projeto de lei que determina a aplicação do Legal Design ou da Linguagem Simples às sentenças judiciais.
Então, quer dizer que o projeto é ruim?
Não. Absolutamente. É óbvio que se trata de uma proposta positiva e o Deputado está indo na direção correta.
Como ele mesmo esclarece na justificação do projeto, a sentença não é feita para o advogado, mas sim para o cidadão que procura a solução da disputa e o estado tem o compromisso político de dirigir-se diretamente a ele.
Se for aprovado, representará um grande ganho para a sociedade, especialmente para aquelas camadas mais humildes. E já será um enorme passo no sentido de humanizar o direito e a justiça.
Porém, poderia ser melhor.
Não digo que deveria determinar a aplicação do Legal Design, uma vez que nem todo problema precisa ser solucionado com uma abordagem tão completa e complexa como o Design Thinking (e não haveria como o juiz fazer protótipos e testes das sentenças).
No entanto, poderia determinar a aplicação das demais diretrizes da Linguagem Simples, de forma que a sentença não apenas passasse a usar palavras conhecidas pelo leigo, mas também a sua estrutura fosse otimizada para uma leitura mais prazerosa.
Óbvio que o formato da sentença é previsto em lei. Porém, respeitando essa limitação, seguir as diretrizes de redação na ordem direta, frases curtas e outras técnicas da Linguagem Simples, tornaria as sentenças ainda mais fáceis de serem compreendidas.
Espero que tenha gostado do conteúdo e aprendido um pouquinho mais sobre o Legal Design, o Visual Law e essa metodologia incrível que vai revolucionar o direito nos próximos anos.
Se quiser saber mais sobre Legal Design, se inscreva no site www.thelegaldesigner.com.br para receber semanalmente dicas sobre a metodologia que está revolucionando o direito.
Mauro Roberto Martins Junior
Comments